26 julho 2014

Um retrato de nós dois



Ele bateu a porta, saiu do meu apartamento, saiu da minha vida. Ele disse coisas que sei que não queria dizer. E eu fiz coisas que sei que não queria fazer. Eu não queria queimar nossa foto, nem jogar os CDs que ele me deu na lixeira, nem jogar suas roupas pela janela. Ele disse que o que eu fazia não era o suficiente, que o nosso relacionamento estava na mesma e que eu não era como antes. Mas o que ele não sabe, é que também não é mais o mesmo. Eu me sinto aprisionada pelo seu ciúme, como em uma redoma de vidro. Ele me sufoca e quando eu desabafo, diz que estou louca. Ah, como essa atitude me irrita! Não sou dona da razão, mas ele também não a possui. Digo coisas sem pensar dominada pela revolta e ele fica calado. Com olhar vidrado sai sem dizer nada. Fico esperando a porta se abrir e desejo que ele volte, mas nada acontece. Essa não é nossa primeira briga. Já brigamos tantas vezes e voltamos que ainda não digeri a ideia de que esta foi a ultima.  


Olho pela janela, ele passou direto pelo portão. Ignorou as coisas no chão e se foi. Arrependo-me, choro, grito de raiva. Raiva dele, raiva de mim. Está tudo acabado. Ele não vai voltar e eu não vou atrás, está decidido! Até onde sei nos tornamos orgulhosos demais para isso. Odeio essa sensação já conhecida. Meu peito dói, minha garganta queima. Deito na cama e lembro-me de nós dois. Lembro-me daquele dia na praia ao por do sol, quando nos conhecemos. O idiota quase me derrubou com a bicicleta enquanto eu ajeitava meus patins. A dor diminui com essa lembrança boba. Já começamos brigando e talvez isso fosse um sinal de que não tínhamos que ficar juntos. Lembro-me do dia que fomos ao casamento de uma amiga. A noite estava maravilhosa até que eu resolvi dançar. Seu ciúme era ridículo, como não percebia que era o único para mim? Brigamos na pista de dança e antes que todos percebessem, peguei minhas coisas e fui embora. No dia seguinte apareceu em minha porta, com um buquê de flores e um pedido de desculpa em forma de filhote de Labrador. O meu Chocolate que acompanhou nossas idas e vindas. Agora deitava comigo e posava a cabeça em minhas costas, sempre ao meu lado quando as coisas não vão bem.  

Ouço um barulho na sala e corro para ver o que é. Num primeiro momento tenho esperanças de que ele tenha voltado, mas antes de chegar ao fim do corredor me preparo para encontrá-la vazia. E é como ela está. O barulho que ouvi vem da porta, que em um instante é aberta. Ele entra segurando um embrulho retangular e meu coração dispara. Não ouso acreditar, não ouso criar esperanças de que ainda temos uma chance. Talvez tenha vindo pegar o resto de suas coisas. Ele está quieto e ignora a festa que o Chocolate faz. Enquanto desembrulha o pacote, me pede silêncio. Quando termina, me olha nos olhos e diz.

- Há muito tempo que tenho trabalhado nisso. Era pra ser seu presente, em algumas culturas um pedido vem acompanhado de um presente. E era isso que eu pretendia fazer. Hoje você colocou em dúvida tudo o que eu sentia. E eu estava certo de que era o fim. Mas quando cheguei ao estúdio, louco de raiva, vi o quadro que estava trabalhando. Naquele momento eu soube o que tinha que fazer. Tinha que voltar aqui e olhar nos seus olhos, te dizer que não vou deixar que me tire da sua vida. Eu não sou como ele ou como todos os outros antes de mim. Esqueça o passado e pare de me comparar. Eu sei que também errei e não vou desistir de aprender a te fazer feliz. Não vou desistir de você.

Ele vira a tela para que eu veja a pintura. Uma mistura de emoções me invade e meus olhos se enchem de lágrimas mais uma vez. De tudo o que ele já criou, essa é a obra mais bela. Um retrato de nós dois na praia com a lua sobre o mar, enlaçados em nosso primeiro beijo. A mistura de cores, os tons e o contraste criado passavam uma impressão absurda de realidade. Era como se aquele amor que compartilhamos saltasse da tela. A entrega do casal retratado era quase palpável. Eu queria tocar aquela imagem, entrar naquela tela e reviver aquele momento. Ser novamente aquela garota perdidamente apaixonada por aquele garoto despretensiosamente lindo. Queria esquecer o passado e seguir em frente. Só que para isso eu teria que perdoar nossos erros e aceitar que ele era diferente, sempre fora. Mas principalmente, aprender que ninguém é perfeito.

Agora tudo estava claro. O que eu não me permitia crer era real. Estava ao meu alcance e esperava apenas uma iniciativa minha para agarrá-lo. Com está ultima palavra em mente, atravesso a sala em direção a ele. Com o rosto banhado em lágrimas, peço perdão e o perdoo também. Como eu esperava, ele me recebe em seus braços, me aceita e diz entre beijos que nunca mais a hipótese do fim será cogitada entre nós.

Depois de um tempo, afasto um pouco a cabeça para olhá-lo e pergunto sorrindo.

- Então, o presente “era” pra ser meu? Isso quer dizer que não é mais? - Ele morde o lábio se fazendo de difícil, mas não resiste e dá aquele sorriso que tanto amo.
- Ele é e sempre será. Se você quiser.

- É o que eu mais quero. – Com essas palavras selo nosso destino. E ele cobre meus lábios com os seus mais uma vez. 











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