26 junho 2016

Livros e muito amor envolvido



Voluntários levam alegria para crianças através da leitura.

 


         A Associação Viva e Deixe Viver - Contadores de Histórias em parceria com o governo dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo possibilita que voluntários visitem hospitais para alegrar crianças que estão hospitalizadas. A  professora Maria Cléa da Fonseca, 60 anos, mãe de três filhas, é voluntaria no projeto e visita crianças no Hospital da Criança em Vila Valqueire, Rio de Janeiro - RJ. Com o nascimento de sua segunda neta, Maria Clara, Cléa conheceu de perto o sofrimento de uma criança internada. Maria Clara, que hoje está com 15 anos, ao nascer foi diagnosticada com mielomeningocele, doença congênita que no caso dela deixou sequelas motoras. A menina precisou passar por várias intervenções cirúrgicas, algumas para controlar uma hidrocefalia e outras ortopédicas. Ao perceber o árduo caminho que sua neta teria que trilhar, Cléa decidiu voltar a estudar e se formou em Serviço Social. No último período, Cléa conheceu o projeto e teve a chance de participar deste trabalho. Em entrevista ao Magazine Literária, Cléa conta um pouco de sua trajetória. 


Magazine: Como começou o seu trabalho como contadora de histórias e há quanto tempo você é voluntária? 
Cléa: Sou voluntária há 2 anos. Quando eu estava no último ano da Faculdade de Serviço Social, surgiu um curso de extensão para trabalho voluntário como Contador de histórias. Fiquei curiosa e me inscrevi para as aulas aos sábados. Eram palestras com psicólogos e outros profissionais da área de saúde. Com o tempo me vi comparando o que ouvia nas palestras com a minha realidade. O que eu vivi com a minha neta Maria Clara e a minha filha Raquel, que quando bebê precisou ser hospitalizada. Percebi que era uma oportunidade de retribuir o que eu recebi há muito tempo. De ser a pessoa que iria levar um abraço, um sorriso pra alguém. 

Magazine: Como funciona o Projeto Viva e Deixe Viver, do qual você é voluntária?
Cléa: O nome do voluntário fica registrado na Secretaria de Saúde. Passamos por um período de estágio e adaptação. Somos preparados e orientados a não usar perfume, manter o cabelo sempre preso, sem adornos, tomamos vacinas e utilizamos os EPI´s (Equipamentos de Proteção Individual). Escolhemos o hospital de nossa preferência e fazemos visitas semanalmente. Quando chegamos ao hospital recebemos uma lista das crianças internadas, seus quartos e em que andar ficam. Temos duas horas de visitação. Os livros são pré-selecionados para agradarem a todos os tipos de pessoas. Sem referência a crenças religiosas. Ficam guardados num espaço reservado para o projeto e separados por idade.

Magazine: Como é trabalhar com crianças em estado de saúde tão delicado?
Cléa: É muito complicado. Você tem que ter uma coisa em mente: o NÃO deles é o único NÃO aceitável. Nem todas querem ouvir as histórias, elas dizem “não” e temos que aceitar. Não querem por que estão no sofrimento, às vezes não aceitam a internação, ou estão em estado febril, ou com dores. Em algumas situações a mãe, ou outro parente que esteja acompanhando, quer ouvir e até precisa desse momento. A princípio você está contando para o adulto, mas a criança também está ouvindo. Como já aconteceu uma menina me dizer: “Ah, mas o final não podia ser assim” e começar a contar a história do jeito que ela queria.



Magazine: Você também faz visitas em datas comemorativas?
Cléa: Sim, por exemplo, no dia 24 de dezembro, a maioria das pessoas está se preocupando com os presentes, as rabanadas. Poucas tem tempo pra visitar um parente ou um amigo internado. Então no ultimo Natal eu fui, e foi o dia de visita que achei mais triste. Muitas crianças recebem alta para passar as festas em casa. Outras estão mais debilitadas e tem que permanecer no hospital. Geralmente a mãe é quem fica ali. Numa das visitas desse dia, uma mãezinha me disse uma coisa que me marcou e me fez refletir: “Ano passado eu estava com a minha casa cheia, hoje eu estou com a minha filha com laudo de câncer e nem meu marido veio me ver”. O abraço que eu dei foi o presente que ela precisava, eu fui a pessoa que ouviu o desabafo dela. Isso não tem preço. O dinheiro compra qualquer coisa, menos esses momentos.

Magazine: Você já se envolveu emocionalmente com alguma criança?
Cléa: Não dá pra dizer que não há envolvimento, é difícil isso não acontecer. Só que eu não posso demonstrar meus sentimentos. Estou ali pra ser um apoio, a alegria, a fuga.


Magazine: Qual foi o momento mais marcante que você vivenciou durante o trabalho voluntariado?
Cléa: Um dia cheguei ao hospital e fui comunicada ela equipe de enfermagem que uma menina que estava na UTI queria conhecer o mundo das princesas, por que ela iria para lá. Temos um livro com essa estória. As outras voluntárias estavam com medo, não se sentiam preparadas e emocionalmente estruturadas. Então eu fui, respirei fundo e pense em Deus. Médicos e familiares estavam reunidos na sala quando entrei. A menina estava nas últimas forças, no finalzinho da batalha. Consegui segurar a emoção ao ver a menina entubada e contei a estória. Quando mostrava os desenhos e mudava a voz ela sorria, um sorriso fraquinho. Contei uma, duas vezes, não imaginei que eu poderia ser tão forte. Percebi que todos estavam felizes, principalmente a menininha. E em algum momento da história ela adormeceu. Fiquei exausta e depois que sai da UTI encerrei a visitação. Fui para casa, mas aquela menininha não saiu da minha cabeça, por vários dias. Eu queria saber como ela estava. Então quando retornei na semana seguinte e me apresentei para o trabalho, a primeira coisa  que eu fiz foi perguntar por ela. Disseram que ela faleceu no mesmo dia. Até hoje eu não consigo contar essa historia a outra criança. Toda vez que pego esse livro eu me lembro daquela menininha. Não chorosa, mas com a sensação de missão cumprida. Por que eu realizei o desejo dela, ela partiu feliz por que conheceu o mundo que ela acreditava que iria.



   Gostou dessa história? Quer ser um voluntário também? Acesse o site www.vivaedeixeviver.org.br e saiba como ser um Contador de histórias. Lá você vai encontrar mais informações sobre este e outros projetos, várias histórias, cursos e oficinas gratuitas, adquirir livros infantis e descobrir como ajudar.



Fotos retiradas do arquivo pessoal da entrevistada.





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